Eis que a Biblioteca ultrapassou o número cabalístico e fatídico número dos 1500. O ritmo vinha andando em passos de tartaruga nos últimos tempos, mas graças à minha querida Tatiana Cunha, fizemos a virada. O número é legal, mas o importante é mesmo a aventura na estrada ao longo dos anos nesta paixão que tenho por eles. Cada livro, um universo, uma estória, uma recordação, coisas que os e-books nunca irão nos dar. Os livros digitais podem ter até o mesmo conteúdo das obras em papel, mas são despossuídos de identidade, de "cara", de qualquer expressão sentimental. Nunca terei de um livro digital as lembranças da infância nas quais eu me aventurava pelas páginas das Enciclopédias da causa de minha tia Glaura, devorando-os na solada da janela. Nunca terei as lembranças dos namoros que tive com vários, vendo-os por várias vezes nas prateleiras das livrarias, incapaz até então de pagar o preço que lhes era pedido. Possuo livros que passei anos namorando-os apenas sem ter como comprá-los. E neste namoro e flerte, com o esforço, os fui conquistando, um a um, e me deleitando com suas páginas. Cada livro, uma janela aberta, cada página um convite à mil viagens. Cada obra, vários diálogos com mim mesmo, o autor e seus personagens. E de cada um deles fui produzindo novos livros em minha cabeça, imaginando novas trilhas de possibilidades. Além disso, Livro impresso tem "cheiro", possui "textura" - é um objeto de personalidade. O cheiro das bibliotecas, os cheiros dos sebos, os cheiros dos livros novos - invasões de sentidos. De certa forma, nós cheiramos e comemos os livros, deglutimos suas estórias, digerimos suas letras, regurgitamos novas letras. E isso tudo sem mencionar as mil tipologias apaixonantes, dos Times, Garamonds, Verdanas às iniciais da tipologia medieval. Adorava as fantásticas tipologias do Scriptorium, site dedicado à arte da beleza das letras. Enfim... dia feliz para comemorar, à espera agora dos dois mil e um - projeto que se arrastará agora em ritmo bem mais lento, sem pressa, para daqui uns 10 ou 15 anos, quem o sabe? Livros possuem também este outro lado de nos engolir os espaços da casa. Sou também um pouco refém da sua multiplicação em pilhas borgeanas, ligeiramente afogado pela sua imanência espacial. Mas continuarei os amando, mesmo quando afogado por suas capas e letras.
"Abandone toda a esperança, ó vós que entrais aqui ..."
"Abandone toda a esperança, ó vós que entrais aqui ..."