by Flávio Souza Cruz

H I P E R F O C U S

F O T O J O R N A L I S M O

SOCIEDADE E POLÍTICA

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quinta-feira 22 2009



Em um escrito anterior, falei sobre a busca pessoal por sentidos. E em cada etapa desta minha viagem, tenho me deparado com a interrogação sobre o sentido: "Por que estou aqui? O que façco nesta cidade? Por que estou aqui suando e carregando este peso neste lugar estranho? Qual é a razão de tudo isso?" A resposta é que não existe razão, mas sim o sentido. Eu tenho um bolso mágico do qual tiro cartas adestradas. Eu as ensinei a falar por mim. Eu durmo com as cartas em meu bolso e elas me ensinam o caminho do amanhã. As imagens das minhas palavras e as palavras das minhas imagens são a coreografia do meu sentido.

Meu corpo bailou em cada dor, cada tropeço, arranhão, marca e ardor dos meus passos. Minha alegria se transformou no avançar incerto. As interrogações caminharam como soldados contorcionistas em cada exclamar. Estou agora em Valência, breve porto do aconchego. Trago comigo um sentido emoldurado em símbolo - a espada que tenho comigo, a qual a nomeei - Desafio.

sábado 10 2009



Eu comecei esta viagem me propondo a escrever um livro. E de cada segundo gasto aqui, o livro caminha comigo. Mais do que letras, o livro é a viagem. O caminho pelas pessoas e a estrada de mim mesmo. Cada sorriso, cada passo e cada nova estação de trem carregam nos meus olhos a tipografia da aventura. Eu não estou aqui a fazer turismo. Minha viagem se parece mais como uma missão. A busca pelo meu próprio Graal. No bolso, um mapa como algumas metas. Mas a meta é a busca por um transcender, por um “ir além”. No dia de ontem eu vi um adesivo com a seguinte frase: “Se você não tem desejos e perdeu o medo, então você atingiu a felicidade”. Eu tenho desejos e tenho medos. Não atingi a felicidade e nem a quero atingir. Eu sou pleno na minha incompletude e carência.

Por natureza e hábito, desenvolvi a prática da concisão. Minhas palavras são como intensas e pequenas chamas a corroer por dentro. Nasci para escrever, este é um fato. De trágico, essa missão é como uma música suave recortada por trágicos tangos. O jovem Nietzsche acreditava na arte como a transcendência humana. Após sua desilusão com Wagner, ele abandonou tal projeto. Eu, como não tenho nenhum Wagner a seguir, e nem mesmo ao bom Nietzsche, sustento tal idéia. Por que a idéia não é um projeto. A idéia é a essência de um existir diário, de um sentido à vida. Cada passo que estou dando nesta viagem é um passo de sentido. Minha presença nestas terras é a completude do sentido, que é meu, particular e tão somente único. Ele se constrói nas dores do meu cansaço e nas imagens da minha retina.

A minha arte tem sido o meu olhar. A minha escrita agora é a continuidade do meu olhar - fotografia!

sábado 29 2008

Impagável esta cena! Imaginar o Alf papeando com o bom e velho safado do Bukowsky. Imagina só um enchendo a cara de cervejas e falando da última pensão da qual foi expulso juntamente com a garota que.... e o Alf falando, tomando leite e comendo sucrilhos dizendo "Táhh Limpo, Buka!!!"

Aaahh eu me divirto com estas coisas. Genial o trabalho do street artist espanhol Senhor X" Ótimo para os religiosos adoradores do velho Buka! Para uma reflexão de que a vida é também funny, mesmo quando o underground decadente parece ser o suprassumo da proeza estética humana!

Há de se ter um pouco de Alf em cada Bukowski desta vida! Para se evitar a chatice e gozar um pouco, sem quartos com mosquinhas varejeiras!

Alf - Pois eu prefiro o Ken Follet!
Buka - Vai a....

terça-feira 25 2008

O drama do papel em branco é uma doença que repentinamente pode atacar todo aquele que se dedica a escrevinhar, quer por diletantismo, vocação, impulso ou profissão. Como jornalista, eu sempre tive medo deste drama (não sem fundamento, dado que o mesmo já me acometeu de fato). Sempre evitei me envolver com uma redação de jornal por não ter muita paciência em trabalhar em escala de produção sob a batuta implacável do relógio. Se bem que justamente nessas horas, como bom hiperativo que sou, eu trabalho sensivelmente melhor e as coisas acabam acontecendo.

Eu tinha idéia e vontade de trabalhar em uma revista, mas acabei não indo por este caminho. Eu acho que ser freelancer é algo que tem a ver mais com o meu jeito de trabalhar. Enfim, pretendo ainda organizar uma revista e virar eu mesmo o editor [lembrando que, como dizem as más-línguas, o editor é aquele sujeito que separa o joio do trigo e publica o joio!]. Eu e meu amigo Boaventura acabamos criando um jornal de Poesia há um bom tempo atrás. Acho que no ano que vem, será o momento de darmos uma ressuscitada no Marreco [mas talvez com um outro nome menos palmípede]. De qualquer forma, este blog aqui vai servindo como um piloto para alguns ensaios de texto. E é aqui a questão deste post.

Eu hoje fiquei me perguntando sobre como poderia atrair mais visitantes a este meu espaço aqui. Certamente dar uma melhorada no visual, publicar o endereço do blog em serviços de busca e otras cositas más seria um bom começo. Dei uma olhada hoje no blog do Kibe Loco e ele ganhou um prêmio não sei de quê de blog. Muito legal e o blog dele realmente é hilariante. Mas lá talvez seja mais um site do que um blog. Outros sites por aí conseguem uma visitação incrível. Não creio que exista algum segredo específico para a visitação em larga escala destes endereços. Mas enfim, um blog precisa de público? A resposta é — sim! Por princípio um blog precisa de público! E a explicação é fácil. Se um blog fosse apenas um diário, ficaria restrito ao bom Word nosso de cada dia, bem guardadinho com código de proteção e tudo.

Um blog é por pressuposto um mural! Algo para ser explicitado, visto, comentado e falado! E pensando por aí , percebemos algo de muito interessante no que eu chamaria pedantemente de fenômeno humano. Já viram como há um ajuntamento de pessoas quando há um acidente? Conglomerados? Círculos de pessoas?! Somos compelidos ao círculo! Veja você: estamos em uma festa, nos viramos e vemos um círculo de pessoas conversando. Tirando lá algum britânico blazé, qual o comportamento esperado? Lá vamos nós ver do que se trata. O ser humano é isso! Gosta de conglomerado! Gosta de ver, de preferência, se está havendo algum sangue correndo ou uma orgia rolando por dentro de um conglomerado!

Queremos participar. E partilhar também, por que não?! O blog para mim é mais um destes fenômenos. De forma mais sofisticada, obviamente, por que estamos no mundo das letras. Mas, no fundo, queremos partilhar da vida dos outros. Ver o que o outro pensa, cheira, gosta, faz. E outro obviamente tem alguma necessidade catártica ou não de se exibir. E aí tudo isso varia nos mais distintos graus e intensidades. Creio, no entanto, que blogs que expõem a vida da pessoa em maior grau são mais suculentos de ler. E este suculento aqui me remete e quer te fazer remeter mesmo a uma mordida vampiresca. É isso, blog foi feito para ser sugado! Mordido! Blog é volúpia! E tenho dito!

Hasta Pronto!

Ps - Publicado originalmente em 9/26/2002 08:22:30 PM

terça-feira 04 2008


Quem um dia passou por aqui e viu os meus posts contra a guerra no Iraque e a campanha dos poetas contra a guerra deve imaginar o tanto que estou feliz com o fim do governo Bush. Dificilmente a história política norte-americana teve um governo tão desastrado, patético e infeliz como este.

Então, uma coisa hoje eu celebro com muita felicidade — ADEUS BUSH! Que a história te enterre! Vaya con Dios! E que este o repasse para El Diablo, como diria o Chavez!

Daqui há pouco, Deus queira, a América elegerá Obama como o seu novo presidente. Não que eu tenha alguma simpatia especial por ele. Mas eu tenho uma simpatia muito especial por tudo o que ele representa. Representa um negro na presidência. Representa uma esperança de mudança, o fim das aventuras tresloucadas dos falcões republicanos e suas orgias petrolíferas! Obama é um símbolo, como assim nos diz este post do Gravatai Merengue. Particularmente em meio a esta turbulência enorme causada pela crise, Barack Obama pode ser aquele governo que irá restaurar um clima de maior paz e otimismo no mundo! Sendo assim, GO OBAMA! GO GO GO!!!

Senhora da Guerra no Deserto

Beijei a boca no fel do homem. Vomitei nomes pela tela, bela ave que sou em cântaro da liberdade. Jorrei meu leite pelo deserto. E foi negro, podre e rubro. Não houve cheiro, barulho ou extremido, pois calei os pássaros no ninho a pousar nos homens. No umbigo do mundo, para o velho e louco me fiz bandeira e estátua. Mil faces mil, calei das orações o silêncio. Me imploraram calor e asas e lhes derramei razões. Sou bela senhora, de peitos erguidos e tesão bravio. De tudo tenho um quê, para encantar certezas. E no baile dos dias, guiei os cegos de empunhado véu e espada nos olhos. Sorri. Matei os cegos, matei os vivos, matei a morte. Me escreveram de azul, vermelho e branco. Mas da cinzenta escrita e amargo ferro, me fiz em arrozoado foder. Não ligo, nem ensaio, de ombros me vou, pois dos lados e variada cor qual seja, na estupidez me dou.
Depois, no nada a dizer o talvez, quem sabe... revolverei o mundo, me esconderei de todos, me apagarei da lembrança a sorte. Contado nos anos, me disse a voz em renovado arfar que ao fundo, ao lado da porta da vida, a água dos olhos em lama de dor me viu voar.


Ps1 - Senhora da Guerra no Deserto foi o texto com o qual participei da campanha dos poetas contra a guerra em 2003. Espero que a hora da águia voar tenha chegado.

Ps2 - Neste meio tempo, acabei encontrando um peculiar blog chamado Poesia contra a Guerra. Além disso, encontrei este outro interessantíssimo blog chamado PicturaPixel. Foi de lá que tirei a imagem deste post. Existem outras ótimas por lá! Confiram!

terça-feira 26 2004

Eu acabei de escrever um texto longo para este blog, depois de meses e meses... E... ele se foi... perdeu-se... ruiu, desmoronou no nada virtual, um copy-paste que não funcionou.
Bom... eu não vou reescrevê-lo, mas resumir por outros caminhos o fio da meada talvez seja a questão. Eu falava de pedantismos, de coisas grotescas, falava de uma moça que gostava de funk, de seu companheiro e dos fins de semana regados a puro malte de buteco. Falava de mim, dos meus pedantismos e do jeito yuppie de ser de certas pessoas que eu abomino. Enfim, o texto estava até divertido, fruto de um deboche casual e de um louvor à coragem. Mas a preguiça rastejante me impede de entrar nos pormenores da moça funkeira e da moça coragem. Que descansem em paz, pois, do peso de minhas linhas...

sexta-feira 04 2004

O frio bate a porta dos meus ossos e me levanta para que do limbo retorne a este meu recanto de palavras. Depois de um inverno astral, de cortinas fechadas e de destinos a la Kafka, me é chegado o tempo de lutar por nuvens brancas. Dessa vez, não serei a lança do um repetido Quixote a golpear o moinho, mas vestirei as roupas do gigante que irá criar vento em prosa ao retorcer as pás da mó! Que sejam todos novamente muito bem vindos... todos os meus amigos, antigos e novos. A alegria irá retornar!

terça-feira 30 2003



[Publicado originalmente no Hiperfocus em 1/10/2003 10:06:20 PM]

Salve meu amigo Silveira ,



Christmas Island! Christmas Island! Meu Deus, onde você foi parar!? Os anos passam, o rumo das coisas faz capricho de nossos planos, mas você continua incansável nessa sua busca. Em verdade, uma velha amiga me disse com ar professoral, uma certa vez em Araxá, que a vida é um vazio. Lidar com este vazio, preencher este vazio é a única opção que nos resta. Não que isso não tivesse passado pela minha cabeça antes, mas a partir daquele dia passei a levar mais a sério aquela frase. Tornou-se claro o que ela queria me dizer com aquilo - salvar-me da ilusão ou das ilusões. Fico me perguntando se ela tocou meu céu do impossível ao contar "o segredo". Poderia dizer que ela matou a virgindade dos meus sonhos, mas seria maldade para comigo e com ela. Me lembro de já ter te contado isso uma vez. Me lembro de já ter me contado isso mil vezes. A vida é um vazio, a vida é um vazio, a vida é um vazio... e me repetir nessa melancolia inútil. A vida é um vazio a ser preenchido. A plenitude deste pensamento é a de alcançar uma serenidade para o inevitável, para a limitação da criatura finita, frágil, sem propósito. Mas toda as religiões ou toda forma de religiosidade, incluindo as atéias, nos querem fazer crer que a vida tem um sentido, que temos uma missão no mundo. A regra internalizada é essa - a vida tem sentido - sua vida tem sentido - minha vida tem sentido. E de repente POW... passo a descobrir que eu é quem sou o inventor dos sentidos.


Me lembrei das tuas buscas, Silveira. Li e reli a sua carta por 3 vezes. Tentei imaginar de fato o que está acontecendo contigo aí nessa ilha. Fiquei preocupado com seu sumiço, você escreveu bem - eu teria feito de tudo para evitar essa sua partida. Fiquei triste, o Paulo, a Nísia e o Jesualdo também me disseram. Falei também com o Nelson depois que recebi a carta. Ele saiu para o Marinho para tomar uma cachaça em sua homenagem. Achei muito engraçado. Não pude contê-lo. Recebi também as caixas de vinho e confesso que eles são o seu retrato quando passo na adega que acabei montando na copa. Obrigado. Por aqui as coisas vão trilhando o seu caminho, sabe-se lá para preencher o tal vazio da vida, ou do tempo. Na terça passada, dia 7, eu tive um sonho dos mais estranhos. Sonhei pela primeira vez na vida que tinha morrido. Olha só que loucura! Eu anotei tudo no computador pela manhã:

"eles estavam na fila me empurrando, mas eu sabia que ali era a Síria. Haviam outros também, brasileiros, mas ninguém mais conhecido. O passaporte, a identidade, o visto em mãos. Era uma espécie de galpão atrás de um muro alto e lá fora havia a guerra. A gritaria era enorme. Parecia um mercado persa, mas era o mercado do desespero. Vejo uma senhora gorda gritando e todos gritam de volta naquele idioma que eu não fazia idéia do que era. Árabes, árabes e mais árabes. Tento passar e o oficial de bigodes me libera. Saio por um grande portão e entro em um galpão ainda maior, parecendo uma enorme antesala de aeroporto, sinto o ar seco apertando minha garganta. Um casaco na mão e os documentos ainda por guardar. Olho assustado, vou andando, tento chegar até uma escada. Gritaria, os bancos se reviram, transformam-se em trincheiras. Agora são asiáticos com rifles nas mãos. E gritam. Sinto um fisgada no ombro e olho a cor do sangue se abrindo num vão pelo casaco. A dor aguda e mais um tiro no braço. Caio para o lado, tudo fica quente, uma dor, uma vontade de vomitar, tonteio, não posso morrer. Corro para o outro lado, mas pela frente, por trás levantam-se armas num fogo cerrado. Eu vejo tudo, vejo a inevitabilidade do fazer. Balas voando cortando ar e o cheiro de pólvora aumentam o sufoco. Grito com o corpo aberto, transpassado, cortado, rubro, varado pela morte. Não me safo. Eu morro."

Não sei se antecipo a guerra no Iraque, a guerra na Coréia ou minhas próprias batalhas. Dizem que sonhar com a morte é sinal que a pessoa passa por um conflito forte e precisa fazer uma opção. Transição e ruptura, renovação e amadurecimento, todas essas palavras eu encontrei na busca por uma interpretação. Eu já tinha sonhado com morte e como pessoas falecidas, mas nunca tinha sentido de uma forma tão crua a minha própria morte. Mas falar de arquétipos e símbolos não é contrariar o que a velha me disse? Se a vida é um vazio é por que ela é um evento de causalidade físico-química. Não uma singularidade, mas a repetição de um ciclo ininterrupto de transformação da matéria. Optei por me iludir e me instruir que essa organicidade toda é uma tolice. Quero dizer, foda-se!

Enfim, me pergunto se continuaremos a ter aquelas nossas conversas pela madrugada, se agora você está há onze fusos horários daqui. A carta tá me lembrando os papos de bêbado no Marinho. Eu queria te perguntar sobre o crepúsculo, pois senti tuas letras tingidas por uma cor de sol se escondendo por trás das águas, num tom laranja-rubro. E eu que nunca gostei de escrever cartas vou ter que te aturar agora nessa escrivinhação. Ponto. Cansei. A vida é mais bela que vazios. A vida é bela mesmo que no abismo de um monstro vazio. Eu aprendi a criar sentidos e agora criei um sentido para a tua ausência.


Um abraço meu a Fahan! Ele já deve saber quem eu sou...

Ernesto Rocatti

Ps. As coisas nos fascinam por se permitirem inesperadas.





[Publicado originalmente no Hiperfocus em 12/29/2002 06:33:21 PM]



Amigo,


Como sabes, me mudei para Christmas Island. Aloísio Ambróz me disse ter contado a você na semana passada sobre meu destino escolhido. Contei a poucos já que poucos são os brilhos no meu céu de amigos. Me perdoe o propósito esquecido, mas sei que farias de tudo para não ter ido. Nos poupei, quero dizer - foi isso. Mas enfim, aqui estou e é hora de te falar das coisas que me agradam dizer.

Logo ao chegar, fui entrevistado pelo Intendente Geral chamado Ti Ping Ho. A tudo que eu respondia, ele me respondia com um sorriso amarelo - era como se duvidasse do meu pedido de exílio. O calor aqui é grande e a fumaça do cigarro de Ho me lembrava aquelas névoas de panela de pressão. Ele carimbou sete papéis e assinei outros 3. Quatro para mim, três para ele e eu estava livre. No mais, foi uma questão de tempo. Moro há 200 passos do mar no meio de uma estrada que leva ao farol. Achei melhor não me arriscar com tempestades e inundações de caranguejos. Sim, Christmas é rodeada por caranguejos vermelhos. Muito bons para comer, nada bons quando resolvem nos comer. Vi uma senhora na vila correr até o porto com um vermelhinho destes cravado em seus ossos esquálidos. Os malaios me tratam muito bem, os chineses sempre sorrindo como se soubessem algo que não sei - e eles sabem. Os australianos, tanto faz, tanto fez. Há muitos deles nos bares, poucos deles na vida da cidade. E aqui sou o único brasileiro, fato inédito nas transmissões de futebol internacional. Fiquei amigo de um velho malaio de nome Fahan, o alegre. Eu entendia muito pouco do inglês malaio dele. Mas ele apontava para as casas, para o céu, mar e pessoas, fazia quadrados e círculos no ar e me apontava dedos. Ao final de tudo, a boca de três dentes dava uma gargalhada e falava "Ahn!" como um pedido de concordância parecido com o nosso "né". Todas as noites eu me sentava ao lado dele e íamos contando casos, se é que alguém da minha idade pode ensinar algum caso a uma pessoa dessas. Mas ele me olhava intrigado e com olhos atentos também. Vivíamos ali naquele diálogo que pouco se entendia, mas muito se descobria.

Minha vida continua sozinha, Ernesto. Tentei escrever poemas na praia como Anchieta, mas não tenho paciência jesuita. Voltava para consertar as letras que o mar lambia e a cada conserto eu perdia um verso. Reinventava outros, mas nunca era um EU poema inteiro que nascia. Briguei com a poesia de areia e a praia agora me serve apenas para cavar buracos, coisa que sempre preferi a fazer castelos. Fahan, dia sim, dia não, me aparece com uma cesta de peixes e aponta para sua casa, sorrindo. Hoje vai ser a terceira vez que janto com ele. Sua casa é simples, mas de organização militar impecável. Me disseram que ele lutou contra os japoneses em 42 e na invasão perdera sua filha para um major. Ele anda mancando, Ernesto. A perna coxa amarrada de branco. Comprei um chapéu igual ao dele na vila, bem grande de palha e deixei a barba crescer. Queria poder dizer que chutei o balde, mas continuo preocupado com a vida. O relógio me acompanha na cabeça e acordo pela noite com o velho pesadelo de estar atrasado para entregar alguma coisa. Me lembro que a coisa foi entregue há 20 anos atrás e durmo de novo. Mas há sempre novos relógios pendurados na parede das minhas memórias. E a cada soluço do sono eles esmurram meu espírito. O espírito é forte, mas a carne é fraca, dizia o senhor. Meu espírito hoje não é forte e a carne perdeu seu sentido carnal. Ontem, depois da areia, passei a pintar poemas nas pedras. A tinta vermelha de textura grossa fez as pedras sangrarem. Foi lindo escrever "raptei meu destino à morte dos anos e me presenteei à ingenuidade ainda viva. Conjuguei meio verbo e me desfiz." para ver cada letra escorrer e mutar a cada beijo de onda. Escrevi novas linhas e o mar nova partitura. Meio cegos, o mar e eu escrevemos na pedra. Voltei vermelho, salgado e feliz. Não sobrou nada, como das vezes na areia. Mas o poema viveu em mim.


Aqui, continuo cego, Ernesto. O tempo me assombra, mas começo a aprender magias para espantar as horas. Essa carta vai em vermelho, minha alma mais azul. Fahan está aqui rindo. Meus olhos em lágrimas.


Adeus, meu amigo!

sábado 15 2003

Delírio Trêmulo

Acabei de chegar do lançamento do livro de poesias "Delírio Trêmulo", escrito pelo meu amigo Flávio Boaventura e editado pela "7 Letras". Ainda não o li completamente mas, desde o início em que o tive nas mãos, me despertou muito a leitura do poema Mixagem. Pequeno, simples estilhaçante como vocês podem ver:

Não lastimar estilhaços,
ser o furor das coisas estilhaçadas
e fazer de cada caco
uma concha acústica.

Me tocou profundamente o verso "ser o furor das coisas estilhacadas", como se dali, dos nossos cacos diários, mensais e existenciais, brotasse o sopro-urro de um dragão. Pássaro-assombro a revoar pelo vapor das cicatrizes vespertinas. Se a poesia do "Boa" te seduziu como a mim, dê um pulo na Livraria Ouvidor e complete o caminho dos delírios.

sexta-feira 24 2003


Nos comments do meu último post, tive a surpresa e a satisfação de descobrir que fui homenageado com um conto no próximo livro do Dennis, autor de um dos melhores blogs que temos no país, o Caderno Mágico, que prima sempre pelo bom gosto nas letras e artes. O livro se chama "O Filho do Hipnotizador e outras estórias de estranhas pessoas". Me senti honrado pela lembrança e em breve estarei comprando o livro, pois Valeu, my friend! E para aqueles que quiserem encomendar o livro, aqui vai o endereço na Saraiva.
ainda não saiu nas livrarias. Certamente fiquei curioso por saber onde é que fui parar no universo dos causos, idéias e pessoas do Dennis! Mesmo sem o saber, por enquanto, deixo já o meu abraço ao Dennis pela lembrança!

quinta-feira 11 2003

O livro, este artefato

well, well, well, aos meu persistentes visitantes que acá aportam sem por várias vezes nada encontrar, quero dizer que aderi à campanha do atentado de hoje! Vou por um livro meu em algum lugar na roça iluminada mais bela deste país. Será que encontrarei um pela cidade? Tenho lá minhas profundas dúvidas... No entanto, vai ser bem legal saber que minha bomba-livro vai explodir na imaginação de algum leitor incauto. Hoje, na CBN escutei o tradicional bate-papo entre o Heródoto Barbeiro, o Carlos Heitor Cony e o Artur Xexéo. O último deu seu total apoio à proposta enquanto o Cony, que é um dos cronistas que mais gosto, dizia que o atentado poético nada mais é do que uma brincadeira de escoteiro. Quero crer que ontem o bom Cony acordou inviezado e que de fato não tenha captado a essência de toda essa brincadeira. De fato, é mostrar independente de deliberações de governos e grupos organizados, podemos nós brincar por um mundo mais lúdico e dionisíaco, menos sério, certamente melhor.

No mais, quero indicar a leitora deste interessante texto escrito pelo Renato Pompeu, defendendo a teste de que Buda acabou vindo a ser nada mais nada menos que... Pasmem! Um santo católico!

domingo 10 2003

Estive hoje no Salão do Livro de Minas Gerais. E achei muuuito legal! O evento ficou maior, ocupando mais espaço na Serraria Souza Pinto. Melhor do que isso.... está cheio de ótimas promoções. Eu gostei tanto que devo voltar amanhã [quer dizer... hoje] para dar uma fuçada melhor nos descontos. Pra fechar o dia, me encontrei com os amigos até então virtuais da net, Nitro e Tuz. Através deles, pude conhecer uma simpatia de Vampira Paulistana, bem como o Trosco. Certamente deu pra perceber que o papo foi altamente NERD, no melhor sentido do termo. Além dos blogueiros, conheci também outros amigos do Nitro, todos jogadores de RPG e Quake. A noite terminou em pizza no Mangabeiras... Bom demais - finalmente vamos ver se marcamos um joguinho para matar infiéis. Por falar nestes últimos, um pouco de luz literária faz muito bem à fé, ainda mais com bons preços:

4o. SALÃO DO LIVRO DE MINAS GERAIS & ENCONTRO DE LITERATURA

De 7 a 17 de Agosto de 2003
Serraria Souza Pinto
Av. Assis Chateaubriand, 809

quarta-feira 06 2003



E então André se lembrou de nossos jogos na areia e dos instrumentos de brincar; meu irmão, em carne viva sangrando era sempre um corte em nossas línguas, que de tudo eram doces como o pão e regadas por respeito, retorcia em dedo calmo a janela do castelo, que por hora reforçado lambia o mar, projetando um namoro de lua; mas o dedo, transformado em cinco, feito mão, agora furioso rompia a entranha de tudo o que era feito; ah meu irmão, que todo o dia em mim lhe tive, como futuro quase certo, deitava areia em areia aplainando torres, cavalos e rainhas; desfazendo das rosas penadas do trabalho afinco; e os olhos eram de sorriso, como lagos brilhantes a me convidar, que ao desespero sentir, fez corpo valsa e terno romper e sentar a areia; ao largo esperar sem ter e somente ouvir: "é tudo uma curva, irmão, buracos, castelo ou nada, uma curva sempre serão..."



segunda-feira 28 2003



Me pintem de mil cores e me corrompam à luz do céu. Me vendam imóvel ao som da tragédia. Matem meu rebanho, escarneçam meu nome, rotulem meus filhos e do sal me façam em pedra. Num vagar me entreguem às traças... que me corroam de sangue a tomar a dor do vazio. Estilhaçar como prato sujo em uma parede de fel ei de me ver. Que me joguem, julguem e queimem! Destruirei o céu na busca da tua boca. Não cessarei. Rebelarei o ventre das crianças e das aves da terra. Revoarei de dento da boca das flores humanas. Não cessarei. Criarei lobos brancos com fome de ti. Serei carne, serei fogo e lâmina na espera da hora. Olharei pros quatros ventos e sufocarei gargantas. Não cessarei. Cobrirei os parvos com a minha mão. Serei branco, árduo, inominável em mim mesmo para olhar o abismo do teu não dizer. Não cessarei. Não voltearei. Não vingarei. Serei uno, inunda palavra, a rasgar teu sorriso. Verdade. Inefável verdade que me deram por nome.





Foto-Imagem por Salonick
Publicado originalmente no Hiperfocus em 1/23/2003 11:44:12 PM

quarta-feira 23 2003



Eu estou organizando a casa por aqui. Template novo, cara nova, problemas de informática velhos. Enquanto isso, vou iniciar aqui uma seção revival, colocando alguns textos do finado Hiperfocus. O primeiro é "Águas de Suor", que foi originalmente publicado em 12/7/2002 01:08:15 AM. Para aqueles que não leram, espero que gostem.


Se eu juntasse em minhas mãos todas as esferas da sabedoria, não teria hoje um canto para vos contar. Pois do leite esmaecido pela vaidade pedante que dos olhos em brasa me deram, soçobrou um lastro de apenas ternura para com os dias. Nada menos do que um doce canto de amargor e parca volúpia me sobrou no dia de Antares. E da festa esperada e por todos acolhida, me deram um ferrão de mandrágora à porta da igreja. Passeei sobre versos, sobre quermeces e pregações alheias para me ver ali como pátina mal armada, um cântaro vazio. Não sou mais o que quis um dia ser. Não sou mais o que sou neste momento, pois bebi de mim mesmo o acolher das rosas que sangram. Vermifuguei o fígado para aguentar as horas da espera. Mas dos vermes esperados, eu colhi apenas uma muda de eras. Me encolhi, me escondi na metástase da era. Sou agora um musgo podre no calcário que o mundo esculpiu. Sou casa, muro, muralha, nem gente, nem perda, nem era. E não peçam, oh meias verdades deste mundo a explicação deste lamento, pois não quero e nem posso vos explicar. Cortejei o mar ao ponto de me tornar cais, calejei o andar ao ponto de me esquecer das pernas. Não posso e nem nunca terei o direito de me enganar. E nem por mais, ou no mais o todo que me quiseram fazer vagar, voarei como dantes em teus pensamentos. Caí, me ocultei, mergulhei na terra do sertão. Quadriterra, quadrimundo de sei-não, torreei meus grãos no plantio de um falar zangado pela soleira do vento. E então cavo, cravo, arranco o anís de um cartel desenfreado.

Me dou o céu-mundo à Maria Jó. Querer-mor, querer mar, querer dó. Não faço, desfaço, desenrolo e desaveço. No mar, o sem-dó arranca a vida do acaso em nó. Soletro o quarto vento de Antares, numa remada em nó. Verteio, solfejo, só mesmo eu e Sá Sabrina e na queixada do pó. Me volto e reflito!? onde estou, onde estás?! Caminha hombre, veste a saraivada da morte. Enfrenta o caldo grosso da vida. Por que dos anos, tereis mais e de alegrias, um pano a mais. Fareis águas, derramarás águas, verterás águas de suor, de vinho, de carmas e lágrima. Será-serei a Terra úmida por veias tórridas de sangue. Amargo gosto de mim. Amarra o gosto de vós. E quero. E vero. E venho. E voto. E morro. Pois da peleja, volteei a corda da amargura e verei em berros e joelho ao chão, rezado e cajado em prumo, olhar fraterno, adeus desgosto.

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